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Quando a cultura POP visita a literatura clássica

A cultura POP tem o poder de ressignificar e popularizar narrativas clássicas, tornando-as acessíveis a novas gerações. A história da Pequena Sereia é um excelente exemplo disso. 

Hans Christian Andersen escreveu o conto original em 1837, e sua versão é bem mais sombria do que as adaptações modernas. A sereia, ao desejar tornar-se humana por amor, enfrenta um alto preço: além da dor física, ela não consegue conquistar o príncipe e acaba se sacrificando. Essa história tem um tom trágico, com fortes temas de renúncia e sacrifício, refletindo a melancolia típica do autor. 

A adaptação mais famosa do conto é a animação da Disney de 1989, que transforma a narrativa em uma história com final feliz. Ariel mantém sua voz, conquista o príncipe e derrota a vilã, Úrsula, com a ajuda de seus amigos. Essa versão suavizou os aspectos sombrios da história e se tornou um marco da animação e da cultura pop. 

Já no filme live-action de 2023, a Disney faz novas atualizações, trazendo representatividade e algumas mudanças na trama para modernizar a história. Isso mostra como as narrativas clássicas são constantemente reinterpretadas para se adequarem aos valores e expectativas do público contemporâneo. 

A cultura pop, ao resgatar a literatura clássica, nem sempre mantém sua essência original, mas a reinterpretação permite que novas gerações tenham contato com essas histórias, ainda que adaptadas. Você gosta mais da versão original do Andersen ou das adaptações modernas? 

Segue um trecho traduzido do conto original: 

The Little Mermaid  (A pequena sereia)

Hans Christian Andersen's The Little Mermaid or `Den lille Havfrue' (1837) 

Far out in the ocean the water is as blue as the petals of the loveliest cornflower, and as clear as the purest glass. But it is very deep too. It goes down deeper than any anchor rope will go, and many, many steeples would have to be stacked one on top of another to reach from the bottom to the surface of the sea. It is down there that the sea folk live. Now don't suppose that there are only bare white sands at the bottom of the sea. No indeed! The most marvelous trees and flowers grow down there, with such pliant stalks and leaves that the least stir in the water makes them move about as though they were alive. All sorts of fish, large and small, dart among the branches, just as birds flit through the trees up here. From the deepest spot in the ocean rises the palace of the sea king. Its walls are made of coral and its high pointed windows of the clearest amber, but the roof is made of mussel shells that open and shut with the tide. This is a wonderful sight to see, for every shell holds glistening pearls, any one of which would be the pride of a queen's crown... 

Lá longe, no oceano, a água é tão azul como as pétalas da mais bela centáurea, e tão límpida como o vidro mais puro. Mas também é muito profunda. Vai mais fundo do que qualquer corda de ancoragem pode ir, e muitos, muitos campanários teriam de ser empilhados uns em cima dos outros para chegar do fundo à superfície do mar. É lá embaixo que vivem as gentes do mar. Não pensem que só existem areias brancas e nuas no fundo do mar. De fato, não! Lá embaixo crescem as mais maravilhosas árvores e flores, com caules e folhas tão flexíveis que a menor agitação da água as faz mover-se como se estivessem vivas. Toda a espécie de peixes, grandes e pequenos, se agita entre os ramos, tal como os pássaros voam por entre as árvores aqui em cima. Do ponto mais profundo do oceano ergue-se o palácio do rei do mar. As suas paredes são feitas de coral e as janelas altas e pontiagudas do âmbar mais claro, mas o teto é feito de conchas de mexilhão que se abrem e fecham com a maré. É uma visão maravilhosa, pois cada concha contém pérolas reluzentes, qualquer uma das quais seria o orgulho da coroa de uma rainha... 

Hans Christian Andersen representava os pobres e a subclasse na era vitoriana, especialmente no contexto da Revolução Industrial e da pobreza extrema. Isso remete a obras literárias, como as de Hans Christian Andersen, que frequentemente retratava as dificuldades enfrentadas pelas classes trabalhadoras, especialmente as crianças. 

Na era vitoriana, a ideia da infância passou por uma transformação significativa. Antes, as crianças muitas vezes eram vistas como pequenos adultos, mas, no século XIX, houve uma crescente idealização da infância como um período de inocência e vulnerabilidade. Essa mudança foi influenciada por diversos fatores, incluindo as péssimas condições de trabalho infantil e o movimento filantrópico, que buscava reformas sociais. 

A Menina dos Fósforos é um dos contos mais tristes e comoventes de Andersen dessa época. A maneira como ele descreve a menina, sozinha e desamparada no frio, acendendo fósforos para se aquecer e vendo vislumbres de um mundo melhor antes de sucumbir, é ao mesmo tempo delicada e devastadora. 

A melancolia do conto vem não só da tragédia da menina, mas também do contraste entre suas visões efêmeras de conforto e a dura realidade. O uso da linguagem sensorial – o brilho dos fósforos, o calor momentâneo, as imagens fugazes de comida e carinho – intensifica esse efeito. 

Segue um trecho traduzido do conto original: 

The little match girl (A garota do palito de fósforo)

Most terribly cold it was; it snowed, and was nearly quite dark, and evening-- the last evening of the year. In this cold and darkness there went along the street a poor little girl, bareheaded, and with naked feet. When she left home she had slippers on, it is true; but what was the good of that? They were very large slippers, which her mother had hitherto worn; so large were they; and the poor little thing lost them as she scuffled away across the street, because of two carriages that rolled by dreadfully fast. One slipper was nowhere to be found; the other had been laid hold of by an urchin, and off he ran with it; he thought it would do capitally for a cradle when he some day or other should have children himself. So, the little maiden walked on with her tiny naked feet, that were quite red and blue from cold. She carried a quantity of matches in an old apron, and she held a bundle of them in her hand. Nobody had bought anything of her the whole livelong day; no one had given her a single farthing...” 

Fazia um frio terrível; nevava e estava quase a escurecer, e a noite... a última noite do ano. Nesse frio e nessa escuridão, passava pela rua uma pobre menina, de cabeça descoberta e pés descalços. Quando saiu de casa, tinha chinelos calçados, é verdade; mas para que é que isso servia? Eram chinelos muito grandes, que a mãe tinha usado até então, de tão grandes que eram; e a pobrezinha perdeu-os ao atravessar a rua, por causa de duas carruagens que passavam muito depressa. Uma das pantufas não estava em lado nenhum; a outra tinha sido apanhada por um ouriço e este fugiu com ela, pensando que serviria perfeitamente de berço quando ele próprio tivesse filhos. Assim, a donzela caminhava com os seus pequenos pés nus, que estavam vermelhos e azuis de frio. Trazia uma quantidade de fósforos num avental velho e tinha um maço na mão. Ninguém lhe tinha comprado nada durante todo o dia; ninguém lhe tinha dado um único centavo.

Uma adaptação ocorreu em 2006, um Curta-metragem de animação dos Estúdios de Animação Walt Disney, dirigido por Roger Allers e produzido por Don Hahn. Baseado em "A Pequena Vendedora de Fósforos". 

E um longa-metragem também adaptado em 2023 com Título original Tulitikkutehtaan tyttö (A Garota da Fábrica de Caixa de Fósforo), uma comédia dramática, sueca, com direção e roteiro de Aki Kaurismäki.  

 O que você acha mais marcante nesse conto?  

https://americanliterature.com/author/hans-christian-andersen/short-story/the-little-match-girl/ 

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